sábado, 16 de fevereiro de 2013

Grandes Álbuns Negligenciados da História da Música Brasileira: Mariana Aydar – Peixes Pássaros Pessoas


O samba, assim como a bossa nova, é um gênero genuinamente brasileiro, mas, apesar dos gênios deste ritmo como Cartola, sempre foi considerado um gênero menor (talvez pela sua proximidade com o pagode ou por mero elitismo da crítica). Por isso, parece natural homenagear este ritmo tentando explicar por que o segundo disco da cantora paulista Mariana Aydar, ‘Peixes Pássaros Pessoas’, merece destaque junto aos grandes nomes do gênero e da música brasileira. Primeiramente, Mariana Aydar, expoente da nova geração da MPB, não pode (nem quer) ser considerada uma sambista, sua formação multi-instrumental e intuitiva a tornam muito mais uma cantora experimentadora do quê de um gênero só. Suas primeiras gravações transitaram pelo forró, baião, bossa e jazz, mas aqui ela empresta sua voz cristalina para o samba e se saí muito bem neste intento, embora na faixa “O samba me persegue”, com participação de Zeca Pagodinho, ela demonstre que sua relação com o gênero é muito mais forte e extrapola esse álbum. Assim como Mariana, o disco também transita pelos gêneros como percebemos pelos metais típicos do jazz em “Palavras Não Falam”, a marcação grave do bumbo no baião desencontrado de “Tá?”, as guitarras distorcidas do rock “Peixes”, e as cordas em crescendo típico dos sambas-enredo em “Poderoso Rei”, todas mantendo uma unidade na interpretação precisa da cantora, criando um som atual e de bom gosto. As composições, três delas assinadas pela própria Mariana com o pseudônimo de Kavita, segundo a própria intérprete, procuram refletir o sentimento da nossa época: solidão, inadequação, insatisfação... Em “Beleza”, um dos pontos altos do disco, em um dueto com a cantora cabo-verdiana Mayra Andrade canta sobre a maravilha do ato de cantar (ou seria do ato sexual? Ou as duas coisas se misturam?). A faixa “Palavras Não Falam” é uma inspirada reflexão sobre a escrita, a composição e a imperiosa necessidade de transpor para palavras toda a vida e ideação interior, que quem escreve irá se identificar. Já “Peixes”, inicialmente da dupla zen-budista “The Dharma Lóvers”, é um retrato sobre a sociedade atual e sua insatisfação: “Peixes, pássaros, pessoas nos aquários, nas gaiolas, pelas salas e sacadas. Afogados no destino, de morrer como decoração das casas. Nós vivemos como peixes com a voz que nós calamos, com essa paz que não achamos...”. Nada parecido com os típicos amores perfeitos, dores de cotovelo e o romantismo fácil das composições do samba, aliás, a única música verdadeiramente com temática romântica, “Teu Amor É Falso”, fala justamente sobre o fim do romance, justo, sem firulas. O encarte finalizando o conceito do disco mostra a cantora nos escombros do galpão da escola de samba paulista Leandro de Itaquera, quase pós-apocalíptico. Seja no experimentalismo da temática ou no tradicionalismo do samba de raiz, o disco “Peixes Pássaros Pessoas” mostra uma cantora segura, uma produção bem feita e que o samba não pode ser considerado um ritmo menor na música brasileira: é MPB da melhor qualidade. 

Pra entender, ouça: “Florindo”, “Peixes”, “Beleza”, “Nada Disso é Pra Você” e “Manhã Azul”.


"Eu me entendo escrevendo/E vejo tudo sem vaidade/ Só tem eu e esse branco/ Ele me mostra o que eu não sei/ E me faz ver o que não tem palavras..."


"Deixa estar que a vida é mais sábia..."

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